terça-feira, 28 de junho de 2011

Lapa, castanholas e Frank Sinatra

      Era final de janeiro deste ano. Fui ver o bom e velho Mário lá na última casa da rua Ipiranga no Recreio dos Bandeirantes, a mesma desde que me lembro como gente. Bebemos um pouco de vinho e ele contou suas histórias, a maioria eu já ouvira na última vez que fui visita-lo, mas eu nunca me canso das aventuras daquele cansado homem  que já beirava os sessenta e poucos anos.
      Ele era meu vizinho quando eu ainda era um pequeno sem preocupações e angústias, em uma época que só me interessava futebol, comer jujubas e um desenho bobo que passava todo fim de tarde. Era ele que jogava bola comigo no jardim de casa enquanto meu pai dava ordens para alguns soldados em Volta Redonda, nos quais tenho pena até hoje, não por serem soldados e pagarem flexões toda hora, mas por serem chefiados pelo meu pai.
      Eram umas 6 horas da tarde quando cheguei, algumas taças de vinho, risadas espontâneas e horas depois decidimos dar uma volta pelo lugar que ele mais gostava e palco das histórias mais absurdas nas quais cresci ouvindo. A Lapa.
      Seu Mário subiu as escadas e foi se arrumar. Estava mais empolgado que nunca, disse para mim que estava apaixonado  por uma colombiana dançarina de flamenco que fazia alguns shows em uma boate razoável ao som de um belo acompanhamento de sapateado. Ele desceu com uma blusa branca bem simples, mas que parecia ter sido feita para ele, arrumou o bigode e os cabelos brancos e me disse 'Hey Johnny, veja como estou elegante' e eu, como que por impulso e por estar com Strangers in The Night na cabeça, disse, automaticamente, que o velho estava igual ao grande Sinatra.
      Já estávamos na porta, ele pegou seu chápeu à la Cartola e começou a cantar Verde Que Te Quero Rosa enquanto andávamos pela calçada. Foi um grande momento para mim, pois, simplesmente, foi a primeira vez que notei o homem que mais vi na minha infância gostando de alguém. Sempre tive uma imagem dele sozinho, sentado na sua poltrona enquanto escutava sua vitrolinha e lia seu livro sobre a bossa nova no Rio de Janeiro...mais um velho boêmio.
      Chegamos na Lapa, tinha muita gente por lá. A boate não era lá essas coisas, algo meio decadence avec elegance, tinha seu charme. Velho Mário logo me apresentou a  Soledad, ela era linda. Estava com um vestido vermelho que escorriam pelo chão de madeira, possuia olhos negros que penetravam fundo em qualquer alma que passasse por ali, seus cabelos estavam presos e estava com uma maquiagem poderosa, digna de qualquer dançarina de flamenco.
      O show acabou, seu Mário era só elogios para a dançarina, ainda sobrava alguns para garota nova e baixinha que fez o sapateado, mas o velho só tinha olhos para a artista principal. Nunca vi ele ficar sem beber seu gole de uísque por mais de uma hora, mas ele disse que queria ficar inteiramente lúcido para ver sua amada dançar. Achei aquilo digno de um leve tapinha nas costas e uma risada amigável. Esperamos um tempo por Soledad, diria que tempo suficiente para sermos os últimos ainda no bar. Perguntamos para o faxineiro e ele disse que a colombiana já havia saído pela porta do fundo. Seu Mário nem se abalou, acho que tava curtindo demais aquela paixão para se desapontar assim.
      Despedi-me do velho Mário com um abraço apertado, ele ofereceu o quarto de visitas para eu dormir aquela noite, mas eu recusei. Ele seguiu o rumo para a sua casa e eu fui para o ponto de ônibus.

      Caminhei um pouco e assim que sentei, eu vi, do outro lado da rua quase sem carro nenhum, o que eu não queria ver. Aquilo me deixou com o coração apertado, aliás, como diria seu Mário, o coração não sente nada, por lá só passa sangue, quem sente é a sua mente. Posso dizer que estava com a mente apertada com tal cena. Vi Soledad entrando em um carro velho e preto, estava com os vidros abertos, então, pude ver ela beijando um cara muito forte e sem cabelo algum por uns dez minutos. Aquilo me deixou muito irritado, tive vontade de gritar para eles irem logo embora, mas o cara era grande demais, mal cabia no carro que dirigia. Eles partiram e nada do 119 chegar...
      Esperando o ônibus, refleti se deveria contar para o velho sobre o que tinha visto. Não demorei muito e conclui que eu não deveria falar nada para o Mário, afinal, eu não o via tão feliz desde o pentacampeonato. O velho só quer amar, pensei, todo mundo tem o direito de amar e não será eu que vou tirar isso do grande Sinatra da Lapa... chegou meu ônibus, hora de ir para casa escutar um bom tango argentino para continuar no clima latino que estava...

quarta-feira, 8 de junho de 2011

Samba para uma vida toda

Existe ali aquele senhor bebendo como todos nessa cidade,
existe ali o guarda, sempre a me olhar com olhos irritados
existe ali o banqueiro, sempre esbanjando poder e dinheiro,
existe também pessoas boas, mas que nunca serão mais do que isso, porque existe a comodidade de uma vida tranquila, medíocre em alguns pontos de vista, mas que não merece qualquer tipo de julgamento.
Existe (sempre existe) aqueles trambiqueiros que fazem qualquer trapaça por algumas moedas na cartola.
É um lugar monótono, sempre com as mesmas atrações; mas lá estava eu.
O circo estava na cidade, odeio!
Enquanto elefantes e buzinas ressoavam, escutei um samba aceitável vindo da esquina ...
Até que decido ir lá acompanhar, ser apenas um pequeno no meio de gigantes do violão
(na época eu achava que tudo que tinha corda era violão).
Não era tão novo, tinha lá meus anos. Mas eu possuia uma certa ingenuidade que hoje consegue me irritar.
Arrisquei-me a pedir um copo de mate para um senhor bigodudo e sujo, porém simpático.
Não precisei nem pagar, apenas tive que sentar em um banco horrível de madeira perto de um balcão imundamente lotado de copos de vidros pequenos com restos de pinga e cerveja.
Empolguei-me com todo aquele som e comecei a batucar no banco ao lado, arranquei alguns olhares repressivos e alguns sorrisos velhos que trazem muitas histórias só por simplesmente sorrir.
Achei engraçado e ri.
Instantes depois, um senhor, eu achava que era o mais novo deles, entregou-me um violão antigo, uma madeira já gasta com tantas notas tocadas e cordas que já ultrapassaram os limites de vibrações ..
Peguei aquilo com um certo carinho, apesar daqueles bigodes pretos olharem para mim com uma certa tirania ... Achava tudo engraçado, mas naquele momento eu fiquei um pouco nervoso, pois meu pai me ensinou a tocar rock n' roll em tudo que fizesse barulho, era Legião pra cá ou Lobão no toca-discos do fundo de casa.
Ou seja, não tinha a mínima ideia do que fazer com aquilo na mão ...
se eu tocasse 'que país é esse' eles iriam achar que eu era algum tipo de jovem revolucionário muito politizado e, por outro lado, se eu tocasse alguma do Lobo iriam me achar algum tipo de garoto drogado e anti-sistema.
Por sorte, lembrei-me que sabia (achava que sabia) tocar uma música sobre uma certa garota das praias de Ipanema de um tal de Jobim,
coisas da minha mãe ...
Comecei a tocar as primeiras notas, estava com medo de ter acabado com a animação dos trabalhadores do bar e, para para piorar, esqueci o resto da música ... pensei em sair correndo, mas, na hora em que iria começar a errar tudo, todos entraram no meu ritmo com seus instrumentos e puseram-se a cantar.
comecei a errar as notas, mas ninguém notou ...
eu tocava baixinho para ninguém me ouvir no meio daquelas tantas velharias tão bem tocadas ...

Acho que, não consigo explicar o por que, aquela cena mudou todo o sentido da minha vida...
Hoje percebo que sou metade de um todo que sonhei
Equilibro-me na corda bamba de um circo que, descuidado, entrei
Agora ... sou palhaço numa roda de samba.